Por Paula Chrispim Nascimento
Temos presenciado o impacto catastrófico que vem sendo causado pelo novo coronavírus, em âmbito global, cujas consequências (econômicas, jurídicas e humanitárias) ainda não podem ser estimadas, diante da falta de previsão para o término da pandemia.
Nesse sentido, pode-se dizer que o momento que estamos vivenciando é revestido de fatores imprevisíveis e inevitáveis, assim como é a sua causa (a COVID-19), os quais geram reflexos sobre as relações jurídicas, e, em especial sobre os contratos, podendo muitas vezes acarretar no seu desequilíbrio.
É bem verdade que o contrato faz lei entre as partes, e possui força obrigatória, conforme consagrado pela expressão latina pacta sunt servanda, segundo a qual “os pactos devem ser observados”.
Contudo, esse princípio deve ser ponderado, levando-se em conta o impacto que os eventos imprevisíveis e extraordinários acarretaram à relação jurídica contratualmente estabelecida, já que o cumprimento da obrigação poderá restar excessivamente onerosa – e até mesmo inviável – para uma das partes, com extrema vantagem para a outra.
Desse modo, os artigos 317, 478 e 479 do Código Civil cuidaram de regular as situações envolvendo acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, tais como o caso fortuito e a força maior, que possam vir a desequilibrar as relações contratuais, tornando-as excessivamente onerosas para um dos contratantes. A seguir transcrevemos os artigos mencionados:
Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato.
Em síntese, a legislação prevê a possibilidade de resolução ou de reequilíbrio do contrato, com base na denominada Teoria da Imprevisão, aplicável a acontecimentos extraordinários e imprevisíveis não cobertos pelos riscos próprios da contratação, e que acabam tornando a prestação excessivamente onerosa para uma das partes do contrato.
Mencionada teoria tem como finalidade manter o equilíbrio contratual, e preservar a vontade original das partes, de modo a permitir o cumprimento do pactuado em harmonia com a ordem econômica e social vigente.
Pretende-se, com isso, afastar qualquer vantagem indevida por parte de um dos contratantes em desfavor do outro, que seria prejudicado em razão de um fato imprevisível ocasionado no decorrer do contrato.
Portanto, considerando-se que a atual situação ocasionada pela COVID-19 pode ser compreendida como um evento imprevisível e inevitável, as partes que entenderem que suas obrigações contratuais restaram afetadas, tornando-se excessivamente onerosas, poderão recorrer à solução ofertada pela legislação, renegociando as condições contratuais, ainda que provisoriamente, enquanto perdurar a pandemia, ou, em último caso, recorrendo ao Poder Judiciário.
Tal orientação afigura-se aconselhável, e deve, sempre que possível, prevalecer sobre a resolução do negócio, em homenagem ao princípio da conservação dos contratos, que favorece a criação e a circulação de riqueza, sobretudo no momento atual.
Paula Chrispim Nascimento, advogada associada do escritório Marcio Pinheiro Sociedade de Advogados, inscrita na OAB/PR sob o nº 98.990, com atuação na área de Direito Civil e Contratual.