"Isso é a vida real? Isso é só fantasia?
Pego num terremoto sem poder
escapar da realidade.
Abra seus olhos
Olhe para o céu e veja:
Eu sou apenas um pobre menino.
Eu não preciso de nenhuma compaixão porque eu venho fácil, fácil vou e possuo altos e baixos.
De qualquer jeito que o vento soprar, a mim não importa, na verdade."
(Freddie Mercury, Bohemian Rhapsody)
O ministro Herman Benjamin, como de relator dos recursos especiais 1.686.659 e 1.694.690, falou numa certa espécie de jogo, o da sonegação.
Disse que “ninguém debate o protesto de valores pequenos de pessoas que moram na favela, por exemplo. Agora, na dívida tributária, sim. Aqui está em jogo os grandes sonegadores. Não pagam porque não querem. Os interesses dos vulneráveis e dos pequenos servem de barriga de aluguel dos grandes”. Apoiaram a tese os ministros Sérgio Kukina e Napoleão Maia Nunes.
Síntese do absurdo jurisprudencial: “A Fazenda Pública possui interesse e pode efetivar o protesto da Certidão de Dívida Ativa na forma do artigo 1, I, da Lei 9.492/97, com a redação da Lei 12.767/12”. Diz a Lei:
LEI Nº 9.492, DE 10 DE SETEMBRO DE 1997
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA:
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
CAPÍTULO I
Da Competência e das Atribuições
Art. 1º Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida.
Parágrafo único. Incluem-se entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas. (Incluído pela Lei nº 12.767, de 2012).
No Brasil, leis ruins podem ser pioradas. O mesmo presidente FHC, com outro Congresso, assinou a Lei 9.841, de 5 de outubro de 1999, onde estão óbvios os interesses cartorários:
Art. 29. Os cartórios fornecerão às entidades representativas da indústria e do comércio ou àquelas vinculadas à proteção do crédito, quando solicitada, certidão diária, em forma de relação, dos protestos tirados e dos cancelamentos efetuados, com a nota de se cuidar de informação reservada, da qual não se poderá dar publicidade pela imprensa, nem mesmo parcialmente. (Redação dada pela Lei nº 9.841, de 5.10.1999)
Neste país das jabuticabas, o inferno legislativo está nas “outras providências”. Os “pais” dessas leis são, respectivamente, os presidentes Fernando Henrique Cardoso e Dilma Rousseff. Mas o culpado de tudo é o Congresso. O jogo foi liberado, mas suas regras são mudadas no último minuto...
O que faz a decisão pior é que se trata de tese repetitiva, transformada pela 1ª Seção do STJ desde a última quarta-feira (28/11). Essa coisa deseja dar legalidade ao protesto de CDA, esse monstrengo inserido de forma inconstitucional na lei do protesto.
Com tal traição à Constituição Federal, são agora sujeitas a protesto as certidões de Dívida Ativa da União, dos estados, do Distrito Federal, dos municípios e suas respectivas autarquias e fundações públicas. Ninguém leu os artigos 61 e 62, parágrafo 2ª da CF nem a LC 95 de 26/2/1998.
Qualquer entidade pública, algumas meros cabides de emprego, podem nos transformar em párias, sem crédito neste país dos banqueiros, na calada da noite. O pequeno empresário acorda (se conseguir dormir) e recebe telefonema do banco, avisando que não estão disponíveis os valores dos cartões de crédito dos clientes que pagaram compras na noite anterior...
Notícia deste, site em 17 de novembro, com a manchete: TJ-SP nega recurso do Fisco e tira nome de contribuinte da CDA. Pela relevância e por ter merecido a atenção de inúmeros leitores, vai aqui na íntegra:
Em um julgamento virtual, o Colégio Recursal Central da Capital do Tribunal de Justiça de São Paulo, por unanimidade, negou recurso da Fazenda e liberou a contribuinte de ter o nome constando na Certidão de Dívida Ativa da União (CDA).
O processo girou em torno de de um pedido de cancelamento das certidões de dívida da contribuinte, que teve seu nome foi indevidamente inscrito em dívida ativa, depois protestado, em razão de dois erros. Por erro de digitação, o contador da contribuinte registrou o valor de R$ 12.815 mil nas operações, quando o valor correto seria R$ 128,15. Além disso, em outra referência, a contribuinte lançou o valor de R$ 3.115,90, quando o correto seria não lançar valor algum.
A partir disso, os lançamentos errados nos débitos ficaram em aberto e foram lançados em dívida ativa e posteriormente protestados. Mesmo com a correção, dois dias depois, que não foi feita de forma automática, o erro já estava no sistema da Fazenda. A contribuinte, então, fez um pedido de retificação da declaração do Simples Nacional relativa à Substituição Tributária e ao Diferencial de Alíquota (STDA).
A Fazenda do estado de São Paulo não aceitou a alegação de erro corrigido e contestou a inicial da Ação de Anulação de Débito. No voto, a relatora, desembargadora Heliana Hess, afirmou que a sentença anterior é irretocável.
"Os documentos apresentados demonstram o pagamento da guia de impostos e a retificação do indébito fiscal pela contadoria e o pedido de cancelamento das CDAs lançadas no sistema. Desnecessário repisar à exaustão os argumentos lançados", disse a desembargadora.
A desembargadora também condenou o Fisco ao pagamento de honorários advocatícios que fixo em 10% do valor da causa. "Além disso, não são cabíveis embargos declaratórios contra acórdão ou súmula, na hipótese do artigo 46 da Lei 9099/95, com finalidade exclusiva de prequestionamento, para fins de interposição de recurso extraordinário", enfatizou.
Arquivamento ilegal
Em primeira instância, a juíza Luiza Barros Rozas, 1ª Vara do Juizado Especial da Fazenda Pública de São Paulo, afirmou que o processo foi arquivado pelo Fisco, mas sem informar se o pedido de retificação foi acolhido ou não."Embora tenha havido erro anterior, imputável ao contribuinte, este foi superado com a apresentação da guia substitutiva e início do procedimento administrativo para correção da informação, a evidenciar que a ré, ao arquivar o procedimento sem apreciar o pedido da autora, deu causa a cobrança ilegítima", disse a magistrada.
Para a juíza, como não há informações sobre o deferimento ou indeferimento do pedido, e não foi afastada a legitimidade do pedido de substituição formulado, devem ser anuladas as duas CDAs.
Clique aqui e aqui para ler o acórdão e a sentença.
1024263-27.2017.8.26.0053